quinta-feira, 14 de março de 2013

Valas Caboclas

Na história do Brasil não é muito comum encontrar referências sobre as valas caboclas utilizadas, pelos grandes sesmeiros, para demarcar terras ou domínios nas épocas colonial e imperial, segundo AURÉLIO. Essas atividades desenvolvidas pelos escravos durante o século XVII chegaram ao nosso conhecimento em pleno século XXI graças aos vestígios deixados na natureza, principalmente nos Campos Gerais.
A ocupação dos Campos Gerais ocorreu por volta de 1704, quando os portugueses requereram as primeiras sesmarias, que eram grandes extensões de terra. Essas terras foram sendo demarcadas pelos proprietários, que utilizavam as valas para separar suas terras e segurar o gado dentro de seus limites. Na época não existiam cercas, então abriam as valas, uma espécies de fosso profundo e mais ou menos longo, com um metro e meio de largura e dois metros de profundidade e era muitas léguas de extensão. Esse trabalho de demarcação era feito com mão-de-obra dos africanos, alguns escravos e negros livres entre outros.
No município de Ponta Grossa essas valas são ainda presentes nos campos, junto às numerosas cercas de arame utilizado pelos proprietários e ainda podem-se observar algumas delas na propriedade dos russos brancos na colônia de Santa Cruz onde elas dividem as propriedades.
Em 2001, durante pesquisa de campo com a equipe do COMPAC, encontramos uma vala na antiga estrada de Conchas Velhas, na localidade do Taquari dos Polacos neste município.
Não é possível determinar a época da construção original. A parte visível tem aproximadamente 200 metros de comprimento, o restante já sofreu ação do tempo e do escoamento de água de chuva, gerando depósito de sedimentos em algumas partes, e erosão em outras. Nos locais onde as valas sofreram maior erosão, elas chegam a medir aproximadamente 2,50 metros de largura por 2 metros de profundidade, meio escondidas pela vegetação que cresceu dentro delas.
A antiga estrada de “Conchas Velhas” foi utilizada pelos tropeiros que vinham de Guarapuava e Palmas, entrando em Uvaia, saindo nos campos do Maracanã na Ronda, perto da cidade de Ponta Grossa. Essa estrada é transitável até hoje pelos agricultores e trabalhadores das fazendas na região.
Segundo inventários dos Campos Gerais, em 1751 era proprietário das terras das Sesmarias do taquari o tenente coronel Manuel Rodrigues da Mota, casado com helena Rodrigues Coutinho, filha de Manuel Gonçalves Siqueira. Estes também eram proprietários das Sesmarias do Tucundava e Tibagi.
No final do século XIX, os imigrantes poloneses ocuparam as terras na proximidade do Taquari, onde construíram as moradias, moinhos, dando origem ao nome Taquari dos Polacos. Os moinhos, conhecidos por Atafona, eram artesanais movidos por cavalgadura e neles os colonos produziam farinha de mandioca para o consumo, comercializando o restante. No Distrito de Guaragi havia em torno de 22 moinhos de produção de farinha. Com o passar dos anos os filhos dos imigrantes poloneses, não querendo continuar na lavoura, foram-nas deixando para estudar e trabalhar.
Os colonos que ficaram venderam ou entregaram a propriedade como pagamento de dividas aos donos dos armazéns e supermercados. Estes comerciantes também foram adquirindo outras propriedades, transformando a região a região, novamente, num grande latifúndio.
Nas décadas de 1960 – 70, com o evento das indústrias na cidade e com as tecnologias utilizadas na agricultura, os campos nativos foram sendo transformados em terras de planta, diminuindo as reservas naturais como, também, os arroios. As casas antigas dos poloneses foram sendo demolidas e os moinhos também, não restando nenhuma referência para resgatar a história dos colonos da região.
É importante documentar e estudar as Valas Caboclas porque se trata de um testemunho natural do trabalho dos africanos nas sesmarias, no período da escravidão no Brasil. Com esse estudo podemos demonstrar que os fazendeiros dos Campos Gerais eram proprietários de um bom número de escravos.
Na margem do rio Taquari, os colonos poloneses construíram suas residências de madeira com paiol, cercas de ripas e moinhos, desenvolvendo e transformando a matéria prima em produtos, utilizando a água para tomar e lavar a mandioca. O rio continua correndo no mesmo leito, mas com menor volume de água, pois vem sofrendo constante degradação do meio ambiente, desmatamento, erosão, assoreamento, agrotóxicos etc.
Com a implantação da agricultura mecanizada e a contratação de funcionários pelos fazendeiros, estes foram morar na localidade, surgindo casas de moradia em alvenaria. As sedes das antigas Sesmarias não existem mais, pois nada foi preservado, nem mesmo as casas e o moinho construído pelos imigrantes poloneses para que um dia pudéssemos ensinar aos mais jovens as técnicas da produção de farinha em moinho artesanal.
Todas estas pequenas coisas, um dia, poderão fazer muita falta para a humanidade que só pensa em tecnologias cada vez mais avançadas, utilizando energias computadorizadas, nucleares, via satélite, entre tantas outras. O meio ambiente continua sendo destruído, e as coisas mais simples da natureza que serviram os nossos avós e sustentavam muita gente.
Fonte: Dicionário Aurélio,valas caboclas e atafona.Documentos COMPAC.

Isolde Maria Waldmann

2 comentários:

  1. Sou descendente dos gaúchos tropeiros e de mineiros que se estabeleceram pelas bandas da villa de Paranapanema, sul do Estado de São Paulo (hoje município de Itapetininga - Capão Bonito) e morei até meus 10 anos (1977) num sítio onde tínhamos valos divisórios em nossas terras. Hoje faço genealogia da minha família e estava procurando sobre o assunto "Valos" na internet e encontrei este blog que me ajudou muito. Obrigado e abraço.

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    1. Fico feliz e realizada em saber que ajudei um conterrâneo. Eu que agradeço! Obrigada.

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